domingo, 26 de julho de 2009

Estética do Frio


Antes até de começar, peço perdão pelo furto do termo do fantástico músico Vitor Ramil. Peço desculpas, também, pelo fato de que, a cada dia que passa, minhas ocupações na direção de arte me fazem enferrujar a tão querida gramática (sim, eu gosto de gramática. Só desprezo professores que não a saibam ensinar).

A partir do final da primavera, um desejo bate forte no meu coração: Volta inverno! Eu, assim como muitos outros, amo o frio incondicionalemente, por mais que ele seja desconfortável em algumas ocasiões. Ouvindo a entrevista de Vitor Ramil sobre como nasceu o conceitdo de "estética do frio" (e eu recomendo e a procurem conhecer) me encheu de alegria o fato de ter nascido aqui. Os outlanders criticam, muitas vezes, o nosso orgulho gaúcho. Chamam-nos de prepotentes, exibidos e etc. Pode ser. Pode ser que sejamos repetitivos, pode ser que sejamos exagerados na expressividade, mas só quem nasceu aqui sabe o que é sentir efervescer o peito ao chamar esse pedaço de chão de pátria. Só quem é apaixonado por essa terra sabe o que é ter os olhos marejados ao entoar o Hino do Estado, sentindo cada pêlo* do corpo se arrepiar.
Poucos conhecem o sabor de, num dia frio, sentar em volta de uma fogueira com uma cuia de chimarrão nas mãos, ou uma garrafa de boa cachaça da serra, assar uma carne gorda e cantar as músicas que falam sobre planícies, aventuras a cavalo, guerras lutadas com bravura, ou, simplesmente, sobre o sentimento que esse clima traz. Ouvir os dedilhados de violão e os floreios de gaita, e a voz afinada de um gaudério cantando as glórias e belezas desse estado. Alegra o meu coração saber que, a cada lugar diferente que eu conhecer, verei a singularidade dessa cultura entranhada em outras microculturas, afinal, cada pedaço de chão tem suas histórias e raízes. E, àqueles que torcem o nariz ao povo gaúcho, faltou experimentar a hospitalidade e generosidade desta gente. Aos que vierem e se cansarem da repetitividade com que expressamos o nosso orgulho, peço que fiquem mais. Fiquem até que entendam o porquê desse sentimento tão profundo. Aos curiosos, que pesquisem, que se informem, afinal, se um povo não se cansa de, a cada oportunidade, gritar a quem puder ouvir "Ah, eu sou gaúcho!", é por algum motivo.
Não estou aqui desprezando as outras culturas brasileiras, muito menos julgando que a minha seja superior. Estou aqui a louvar a beleza de saber apreciar essas minúcias que o lugar onde vivo me apresenta, e implorando de pés juntos ao caro leitor, que, se não tens essa percepção, busque-as, porque não há palavras para exteriorizar o sentimento de patriotismo. Eu amo esse lugar que chamamos de querência. Meus olhos marejam sabendo que, a cada momento, desde o dia em que nasci até o fim da minha vida, eu posso encher o peito, abrir o sorriso e dizer: Eu sou gaúcho.


P.S.: Acabei me enrolando e não me expressando da forma que desejava. No próximo surto de inspiração, farei outro falando sobre o assunto :]

Deixo-vos, também, um vídeo de Dante Ramon Ledesma. Que ele sirva de gancho para que mais seja conhecido sobre esta terra.





*Me nego a não usar acento diferencial ¬¬

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Uma Fuga, Uma Carta




Texto do aluno Guilherme Barbacovi Libardi para a cadeira de Português para Comunicação I da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Aproveitem :)


Ana,

Sei que você e nossa família devem estar muito preocupados comigo, perguntando-se onde estou e o que houve comigo. Bem, não sei ao certo como tudo isso começou, mas o que sei é que ao chegar ao lugar onde hoje estou, eu pude me encontrar, enxergar meu verdadeiro eu. A fim de diminuir a angústia de vocês sobre que fim levei, vou esclarecer tudo sobre minha trajetória até aqui.

Logo que cheguei, fui levado ao hospício por policiais. Lá, me contaram que eu estava correndo em círculos cantando músicas do Bob Marley ainda por cima. Também me disseram que eu entrava em lojas derrubando produtos das prateleiras. A verdade é que eu não recordo de nada disso. A única coisa da qual eu lembro foi acordar num hospício.

Lá, todos, incluindo os enfermeiros e enfermeiras, notaram que eu não era totalmente louco. Foi aí que me encaminharam para a psiquiatra do hospício. Contei a ela tudo sobre minha vida. Contei que trabalhava com criação e edição de imagens para peças publicitárias, que tinha uma namorada da qual eu sentia uma falta sem tamanho, e contei também sobre a criação que nosso pai nos dera; das vezes que ele batia em nossa mãe, e das vezes que ele abusava de você na minha frente, ameaçando me trancar em um quarto escuro caso eu contasse a alguém o que via. Falei a ela também sobre meus gostos inusitados, e dos meus lapsos frequentes de memória. Comentei sobre alguns dos meus amigos, e que nenhum se comparava a Marcelo quando se tratava de confiança, e que por essa razão eu confiei a ele um segredo: eu me drogava. Havia prometido a mim mesmo que não levaria aquilo por muito tempo, que eu só havia experimentado para conhecer o cheiro, o sabor... mas logo me viciei; e aí não teve mais volta. Percebi que eu estava me afundando. Não tinha mais dinheiro para pagar pelas drogas e, se eu não parasse, eles me matariam. Este foi o principal motivo da minha fuga: sair dessa cidade, fugir desses caras e dessa vida confusa e transtornada que eu levava aí.

Após contar tudo isso à psiquiatra, ela concluiu que eu sofria de uma patologia incomum, rara de ser diagnosticada, chamada múltipla personalidade. Estariam explicados, portanto, os meus lapsos de memória, meus surtos, meus gostos inusitados e, muitas vezes, até contraditórios. Iniciei um tratamento há alguns meses e, segundo a médica, estou pronto para recomeçar. Consegui um emprego em uma agência grande, de respeito. Estou morando em um apartamento alugado, desta vez sem a lembrança dos gritos de nossa mãe e de nosso pai ecoando pelos aposentos. Estou pronto a dar início a uma nova vida aqui. Por mais que doa, nunca mais quero volta a São Paulo. Avise apenas a nossa mãe, Marcelo e Carmem sobre onde estou. Não avise nada ao nosso pai, por mim.

Enfim, aguardo todos vocês aqui em casa para uma visita. Sinto falta realmente de todos nossos momentos juntos, mas não me arrependo do que fiz.

Beijos e abraços

Théo

P.S.: Diga à Carmem que eu aguardo a visita dela, porém, se ela não quiser vir, eu entenderei.

Rua Manoel Bordin, 37A, Porto Alegre.